Friday, March 09, 2007



Índice de Capítulos


~ PRIMEIRO ARCO ~

Parte I - The Return
Parte II - Falsas Crenças
Parte III - O Morto Vivo
Parte IV - Book of Secrets

~ SEGUNDO ARCO ~

Parte V - Genesis os Mind
Parte VI - Storm
Parte VII - Blue Transparency
Parte VIII - Shadow of Love

Parte VIII - Shadow of Love


A brisa matinal acariciava a pele pálida e suave da jovem de olhos azuis como o céu da meia-noite, cujas costas recostava levemente no arco de pedras da entrada da imensa construção, ao mesmo tempo em que dançava por entre os fios negros e sedosos do cabelo que encontrava-se frouxamente preso em um rabo de cavalo.

Não demorou até que os ouvidos sensíveis captassem a chegada de alguém, mas ela não desviou seu olhar do céu. Ela sabia quem se aproximava e por mais estranho que soasse não era pelo fato dela própria ter mandado chama-lo, mas de algum modo em um espaço de tempo desconhecido reconhecer a presença dele havia se tornado natural.

- Annita disse que você queria falar comigo.

- Trouxe sua vassoura? – ela perguntou.

Em uma resposta muda ele afirmou fazendo um gesto breve com a cabeça. Não entendia o motivo de Suzannah ter-lhe chamado, mas na realidade não era este fato que o incomodava. Ainda sentia-se irritado pelas provocações proferidas por Julian.

Suzannah não pronunciou som algum, montou em sua vassoura levantando vôo com rapidez e habilidade deixando Mathieu com a opção de segui-la.

Cortando os céus os dois atravessaram a região montanhosa que protegia o castelo e sobrevoavam os intermináveis campos pertencentes aos McKinnon. Não era raro ver imensas construções em meio a estes campos, pois estas eram as estufas utilizadas para estudo ou produção de ervas mágicas.

Algum tempo se passou até que as regiões povoadas ficassem para trás e Suzannah, seguida por Mathieu, pousasse em uma elevação de rochas e terra. Era um lugar amplo e isolado, dono de uma paisagem que englobava praticamente todos os blocos de terras pertencentes ao clã. Na região central daquela elevação havia uma única árvore, grande e vistosa.

Suzannah deixou a vassoura deslizar por seus pequenos dedos enluvados até afundar na camada de neve que cobria a superfície de terra. Virou-se para Mathieu e o encarou com uma pose altiva.

- Ouvi sua conversa com Julian e Trowa ontem a noite. – ela disse com um tom calmo, porém cuidadoso.

As palavras da jovem causaram-lhe um arrepio horripilante seguido pela frustração do imenso desejo de evitar o inevitável. Suzannah não podia ter ouvido sobre ela!

- Você não tinha esse direito!

A expressão anteriormente inexpressiva da jovem tornou-se gélida.

- E você Mathieu, acha que possui todos os direitos do mundo? Acredita ser algum tipo de deus por um acaso? Quem diabos você pensa que é para condenar alguém pelos crimes de outra pessoa? – a voz da jovem possuía um leve tom de ironia.

- Quanta prepotência Suzannah. Lamento informar, mas você não é tão importante assim. - ele rebateu também com ironia.

Mathieu podia sentir a ira fervilhando em suas veias. Um sentimento intenso que a muito tempo havia sido aprisionado em um canto escuro de sua alma.

- Está tentando enganar a mim ou a si mesmo?

- Faça um favor a nós dois e esqueça essa maldita história. – ele rebateu com amargura.

- E o que eu ganho com isso? As grosserias de alguém amargurado? Uma vingança sem sentido?

- Chega! Eu não tenho que ficar aqui congelando apenas para ouvir suas bobagens. – Mathieu respondeu enquanto agarrava sua vassoura.

- EU NÃO SOU ELA! – gritou Suzannah, deixando a irritação e os demais sentimentos confusos se libertassem através de suas palavras.

- EU SEI! – ele respondeu, libertando também toda a tensão que lhe sufocava.

Largando a vassoura abruptamente ele caminhou com passos rápidos até a jovem, segurando-a pelos ombros e perdendo-se nas turbulentas águas azuis dos olhos dela.

Um mar intenso e infinitamente profundo, com águas obscuras e gélidas que poderiam afastar até a mais corajosa das pessoas. E apesar daquele poder que parecia constantemente repelir aos demais, ele sentiu-se englobado e acolhido por uma corrente de águas quentes. Mathieu também não conseguiu evitar a sensação de estar exposto, como se nada nem ninguém possuísse o poder de impedir a jovem de vasculhar sua alma.

Quando um pequeno fio de consciência passou por sua mente ele já podia sentir a respiração de Suzannah em seu rosto. Deslizando uma das mãos pela nuca da jovem e a outra na cintura almofadada pelas grossas vestes ele puxou-a para si, completando o espaço que anteriormente existia entre ambos.

O contato começou tímido e suave, mas foi guiado por Mathieu a um beijo intenso, interrompido apenas quando ambos encontravam-se sem fôlego.

Levemente ofegante nenhum dos dois se afastou mais do que o necessário para recuperarem o ar e o faziam sem desviar os olhares.

- Não pedirei desculpas. – ele afirmou, fazendo uma breve pausa e voltando a falar em seguida. - Por motivo algum.

- Eu não espero que o faça. – ela respondeu com uma voz suave.

Retirando as luvas ela levou as mãos até o rosto de Mathieu, deslizando os dedos finos pelas feições másculas do rapaz. Em seguida ergueu ligeiramente os pés elevando seu rosto até bem perto do dele, encarando mais profundamente as orbes azul-esverdeadas antes dos lábios voltarem a se encontrar.

Parte VII - Blue Transparency


Adhara fitava o dossel negro. A cor do tecido aveludado mesclando-se à penumbra em que se encontrava, como se o seu corpo estivesse sendo velado pela silhueta de um imenso ser alado.

Suspirou, constatando que, por mais confortáveis que fossem as camas do castelo de Donan, ela ainda não conseguiria dormir com plenitude. A insônia era um male que a perseguia desde a sua lembrança mais antiga, e parecia ter somente piorado a partir do início de sua adolescência. Estranhamente, poções do sono lhe faziam pouco, ou nenhum, efeito. Mesmo as mais potentes não eram capazes de garantir-lhe mais do que uma hora de sono a mais do que normalmente tinha em uma noite.

Virou-se no colchão, o corpo magro agora descansando de lado, as mãos segurando um dos travesseiros. Fechou os olhos. Se não poderia dormir, ao menos tentaria descansar seu corpo, embora a mente ainda se mantivesse alerta e repleta de pensamentos rápidos e, na maioria das vezes, desconexos. Foi então que ouviu algo que parecia batidas à porta...

Virou-se novamente e, usando os cotovelos para sustentar-se, arqueou o tronco para frente, o suficiente para divisar a porta. Fitou a madeira escura em silêncio, como se quisesse enxergar através da mesma. Quem poderia estar batendo àquela hora? Certamente Trowa não pensaria em ir passar a noite ali, com ela. Não quando eram hóspedes na casa de outra pessoa.

Concluindo que especulações e jogos de adivinhação não a levariam a lugar algum, Adhara sentou-se sobre a cama, passando uma das mãos displicentemente entre os cabelos em uma tentativa, praticamente inconsciente, de fazer-se mais apresentável para receber o visitante.

- Entre. – disse a garota.

Ao ouvir o comando da voz suave atravessando a grossa porta de madeira Suzannah o obedeceu com tranqüilidade. Em silêncio adentrou o local fechando a porta atrás de si, recostando levemente as costas na madeira bem trabalhada.

- Espero não ter lhe desperto em seus poucos momentos de sono.

Adhara meneou a cabeça em negativa. Mas logo deu-se conta de que, devido à escuridão do ambiente, Suzannah talvez pudesse não ter percebido o seu gesto. Estendeu uma das mãos de dedos finos até a mesinha de cabeceira mais próxima e ligou o delicado abajur que nela se encontrava. A luz tremeluziu antes de tomar a lâmpada por completo, banhando o quarto em um brilho amarelado.

- Não se preocupe, estava acordada. – respondeu a sonserina, fitando a outra com olhos atentos.

Caminhando até a ponta do leito, a jovem Deveraux acomodou-se perto da beirada deste, sentando-se sobre os próprios joelhos.

- Já faz um tempo que não conversamos. – Suzannah falava com um tom de voz baixo e fez uma pausa antes de continuar. – Lamento o afastamento.

- Tudo bem... Não é como se eu também não fosse parcialmente culpada por isso. Acho que acabei sendo distraída por... Outras coisas. – Adhara replicou de maneira serena. Sabia que deveria haver alguma razão para a outra morena ter vindo bater à porta de seu quarto em uma hora já avançada da noite. E queria que Suzannah percebesse que, mesmo que o recente distanciamento entre elas fosse algo real, ele não fora capaz de mudar o relacionamento que mantinham.

O silêncio tomou conta do ambiente por alguns instantes. E Suzannah deixou um suspiro escapar de seus lábios desistindo da tentativa de refrear sua vontade de contar a Adhara o que a perturbava naquele momento.

- Poucos minutos atrás passei em frente ao quarto de Mathieu e acabei ouvindo ele, Trowa e Julian conversando. Para resumir acabei descobrindo que fui condenada pelos crimes de outra pessoa. Gostaria mais do que nunca de estrangular Mathieu com minhas próprias mãos, mas existe algo desconhecido que me impede.

Ivory piscou, sendo pega de surpresa com o repentino fluxo de palavras. Então estivera mesmo correta ao presumir que a visita de Suzannah não fora casual. No entanto, não fazia idéia do que poderia dizer à outra sonserina, afinal sequer tinha conhecimento do conteúdo da conversa que ela entreouvira.

- Talvez fosse melhor que você tentasse entender esse sentimento desconhecido antes de tomar qualquer decisão. – sugeriu por fim.

- Sim. – concordou Suzannah deixando que sua voz fosse morrendo ao pronunciar cada letra, porém renovando-se ao inicio de uma nova frase. – E quanto a você e o Trowa?

Se Adhara não julgasse já conhecer a jovem Deveraux, poderia até sentir-se desconcertada com a abordagem mais que direta da morena.

- Então você notou? – devolveu a pergunta com outro questionamento, um sorriso leve se desenhando em seus lábios. A perspicácia de Suzannah fora uma surpresa, no mínimo, agradável.

Deveraux acenou de modo afirmativo com a cabeça.

- Ambos são bem discretos, mas dando atenção aos pequenos detalhes eu acabei percebendo. – ela completou correspondendo ao pequeno sorriso da jovem a sua frente. – Você está feliz?

Adhara abaixou o olhar por alguns instantes, a sombra de um sorriso ainda teimando em permanecer em seu rosto.

- Sei que pode ser considerado algo frívolo atribuir a causa de felicidade a um “namorado”... – levantou seu olhar apenas o suficiente para encontrar o de Suzannah – Mas, sim. Ele me faz feliz de uma maneira que eu não acreditava ser possível.

- Muito bom. – comentou Suzannah, com verdadeira alegria pela amiga. Provavelmente aquela era a primeira vez em muito tempo que sentia-se satisfeita ou contente pela felicidade de outra pessoa.

Um silêncio confortável formou-se entre as duas garotas. Cada qual perdida em seus próprios pensamentos, discretamente à procura de um tópico que valesse à pena ser discutido. Era engraçado de se constatar que, normalmente, quando duas amigas passavam algum tempo sem trocarem mais do que algumas palavras, certamente seria difícil fazer com que se calassem quando finalmente pudessem conversar devidamente. No entanto, tal situação não se aplicava em nada à elas. Adhara não sentia como se fosse desconfortável falar com Suzannah, muito pelo contrário. A questão é que ela sabia que não precisava dizer muitas palavras para que se fizesse entendida.

- Você ainda tem visto o Kovac? – finalmente lembrou-se de um tópico que vinha incomodando-a desde o passeio à Hogsmeade, quando conhecera aquele corvinal que lhe despertara uma sensação tão desagradável. No entanto tantas coisas aconteceram nas semanas que se seguiram... A jovem Ivory sentia-se parcialmente culpada por permitir que seu pai, Trowa e Meridiana varressem a preocupação com Suzannah de sua mente.

- Sim. Em teoria estou ajudando-o com aulas extras de poções. – ela respondeu com ironia. – Existe algo nesse garoto que é misterioso em demasia para o meu gosto. De certo modo fiz um acordo com ele, deixo que Alonso me treine, como ele costuma dizer, e em troca ele guia até certas pessoas com quem tenho assuntos pendentes.

- Por que você não me diz simplesmente que Kovac é um Comensal que está tentando recruta-la para o lado dele? – questionou Adhara, a seriedade costumeira voltando às suas feições e a própria voz, antes delicada e ligeiramente descontraída, adquirindo um tom mais seco, que buscava não dar margem a contestações. Era em momentos como aquele que seu parentesco com Kamus transcendia as meras barreiras sangüíneas e mostrava a verdadeira influência que possuía sobre a jovem de cabelos cinzentos.

- Não creio que seja apenas isso. Mas não existe uma explicação lógica para acreditar nisso, apenas confio em meus instintos. – Suzannah respondeu, com uma seriedade muito semelhante à da jovem Ivory.

Adhara meneou levemente a cabeça, concluindo que, enfim, não havia muito o que pudesse dizer ou fazer naquela situação.

- Não vou fingir que concordo com o que está fazendo. Mas posso dizer que a entendo, e que não pretendo interferir. Pelo menos não por enquanto. – ela fez uma pausa breve – Apenas se cuide, Suzannah. – finalizou encarando com profundidade as orbes azuis da outra garota e repentinamente notando, com uma pontada de surpresa que não pôde suprimir, o quanto aqueles olhos eram parecidos com os seus próprios... Suspirou, varrendo aquela pequena descoberta para o fundo de sua mente. Não era o momento para pensar naquilo. Examinaria aquele fato com cuidado em outra ocasião, de preferência quando sua mente estivesse mais límpida e centrada.

De certo modo havia uma ponta de felicidade em seu coração pela preocupação de Adhara. Mesmo que não fosse capaz de fazer a jovem entender seus motivos, saber que ela se importava era realmente gratificante.

Os laços que as prendiam uma a outra se tornaram mais fortes do que Suzannah poderia supor. E tal fato não lhe desagradava nem minimamente, pois a sensação era semelhante a certeza de se viajar o mundo todo, livre como um pássaro, e ainda assim ter um lugar para onde voltar.

Parte VI - Storm


A pequena jovem caminhava pelos corredores cobertos de sombras, os pés descalços possuíam um andar tão suave que pareciam poder flutuar, os cabelos negros deslizavam pelas costas magras como um manto sedoso e a pele pálida atribuía-lhe um aspecto fantasmagórico.

- Então você já fez as pazes com a Suzannah?

Ela estancou ao ouvir o seu nome sendo pronunciado na voz de Julian. O tom perfeitamente audível mesmo através das paredes de pedra.

- Não sei exatamente ao que você se refere com “fazer as pazes”...

- Vocês pareciam bem mais próximos quando nós chegamos. – uma terceira voz, a qual não poderia pertencer a outro senão Trowa, interrompeu Mathieu.

- Por “bem mais próximos” ele quer dizer “não estavam tentando matar um ao outro”.

Suzannah franziu o cenho. Não sabia se lamentava ou ficava impressionada com a constante indiscrição de Julianus.

Uma pausa se seguiu antes que a voz do monitor-chefe soasse novamente. Mas desta vez em um tom tão baixo, quase como se temesse ser ouvido, que a jovem quase teve problemas em identificar o seu conteúdo:

- Não há nada entre ela e o Kovac...

- Fico feliz por você finalmente ter se tocado disso. Só quero ver quanto tempo vai levar até perceber que a Suzannah não é a Alycia. – a fala de Gauthier continha um tom estranho, uma espécie de sarcasmo ligeiramente ácido. Algo que não costumava aflorar com freqüência, e menos ainda em uma conversa com seus amigos.

- Julian... – Trowa começou, em um claro tom de aviso, mas qualquer vã tentativa que o moreno pudesse ter feito para apaziguar a tempestade que ele sabia que viria, fora ruída quando a voz de Mathieu ergueu-se, alterada:

- Não fale o nome dessa vagabunda na minha frente!

Assim que as palavras duras e rudes de Mathieu chegaram até os ouvidos da jovem de olhos azuis um sentimento intrigante tomou conta do pequeno ser. Jamais havia ouvido o rapaz referir-se a alguém daquele modo.

O silêncio recaiu sobre o corredor. Um silêncio longo e impenetrável, que parecia sugar o ar como um buraco negro.

A situação arrastou-se pelo que pareceram alguns minutos antes de um suspiro pesado, quase exasperado, se fazer ouvir.

- Desculpe.

Suzannah piscou, estranhando imensamente ouvir tal palavra na voz de Mathieu. Se a voz do grifinório não fosse facilmente reconhecível entre as demais, a garota poderia jurar que estava confundindo-a com a de outra pessoa.

- Tudo bem, depois de tantos anos já me acostumei a ter você gritando comigo. – Julian parecia cansado e, mais do que isso, frustrado – Mas ainda mantenho a minha opinião de que mesmo que a Alycia tenha sido uma vagabunda por ter lhe traído do jeito como traiu, ainda não justifica que você passe o resto da vida descontando a sua amargura na Suzannah.

- Você fala como se não tivesse feito algo parecido. – retorquiu Mat.

- Vamos mudar de assunto. Não vai ser de muita valia ficar remexendo no passado. – disse Trowa, tentando evitar que mais uma discussão surgisse. Felizmente, os outros dois rapazes não apresentaram resistências ao seu pedido.

Em meio as sombras a jovem permanecia imóvel como se cada uma das palavras proferidas pelos três rapazes fossem pequenas doses de paralisantes. Em sua mente fragmentos de um tempo distante ganhavam um sentido nunca antes revelado.

Naquele momento ela finalmente podia entender o motivo do relacionamento frio e distante, embora sempre polido, que ela e Mathieu mantinham quando se conheceram ter se transformado na constante de conturbações e rancores em que eles viviam até aquele feriado natalino.

Na tentativa de ignorar aquele sentimento que queimava em seu peito Suzannah observou através da escuridão o imenso corredor vazio e ao fazê-lo as orbes azuis acabaram por deparar-se com uma porta em especial, era o quarto destinado a Adhara.

Sem muito esforço suas pernas iniciaram um andar calmo na direção indicada pelo tempestuoso e obscuro mar azul.

Parte V - Genesis of Mind


O céu ostentava um aspecto levemente tenebroso, a brisa gélida infiltrava-se por entre os vãos mais estreitos apenas para acariciar o doce calor de alguma pele até por fim captura-lo.

Na elegante sala de estar do imenso e sombrio castelo encontrava-se a pequena presença. Embrulhada em uma manta verde e prata ela se deixava acolher pelo conforto das almofadas do suntuoso sofá enquanto as chamas consumiam a madeira fornecendo calor ao local.

Os olhos azuis passeavam pelas folhas amareladas do livro que possuía um grande significado para si, por algum motivo mesmo após tantos anos junto ao objeto sentia-se constantemente atraída a uma releitura, até um pequeno e continuo som capturaram sua atenção.

Ecoando pelas paredes de pedra o barulho das botas crescia até desaparecer repentinamente, no mesmo instante em que a figura do rapaz de cabelos castanhos passou a preencher o campo de visão da jovem.

- O que você está lendo? – perguntou Mathieu, enquanto caminhava até onde estava Suzannah e acomodava-se no sofá próximo a ela.

- É um livro de histórias infantis. – após um breve momento em silêncio ela continuou. – Minha mãe me presenteou com ele em meu primeiro natal e ela costumava ler para mim mesmo quando eu era pequena em demasia para sequer entender suas palavras.

Mathieu apenas ouviu as palavras da jovem em silêncio, a voz dela soava neutra embora quando se observava as profundezas do mar azul e tempestuoso que eram as orbes dela percebia-se certa melancolia. E ele nunca sabia o que dizer quando ela lhe confiava informações assim, profundas e de certo modo tristes. E sentir-se perdido e sem saber como proceder era algo que definitivamente o incomodava.

- Literatura infantil. – ele comentou, fazendo uma pausa e voltando a falar com tom irônico e divertido. – Que pirralha!

Em uma resposta muda Suzannah apenas lançou um olhar mortal para o rapaz, porém o riso divertido dele chamou-lhe a atenção. Não se lembrava de ver aquele riso leve e solto, totalmente desprovido de amargura ou ironia, em muito tempo.

- Ei! Qual é a graça? Eu quero rir também. – uma voz masculina soou na direção da lareira.

Mathieu parou de rir assim que reconheceu a voz de Julian, dirigindo sua atenção ao rapaz percebeu que junto a ele havia mais dois semblantes conhecidos tomando forma entre as chamas verde-esmeralda.

Suzannah espantou-se por não ter notado a chegada dos três, seus instintos nunca falhavam em avisar-lhe sobre presenças estranhas ou conhecidas no mesmo ambiente que a sua própria.

- Trowa olha isso! É impressão minha ou esses dois estavam conversando numa boa? Cara, eles nem tem marcas de lutas! Não acredito que ficaram no mesmo lugar sem tentar se matar. – comentou o jovem Gauthier em tom de gozação.

- Quem está pedindo para morrer aqui é você Julian. – comentou Mathieu, voltando a utilizar seu habitual tom de ironia.

- Sou obrigada a concordar. – disse Suzannah.

Julian entreabriu os lábios em uma tentativa verbal de se defender, porém as palavras que se iniciaram morreram com a chegada de uma animada Annita:

- Oh minha nossa! Como esses meninos cresceram! – disse a mulher de olhos cor-de-mel, observando atentamente os recém chegados. – Estão cada dia mais bonitos também.

Gauthier riu, caminhando para a governanta com os braços abertos:

- Tia Ann, a senhora é meu anjo da guarda! Juro que se pudesse me casaria com você. – disse ele, envolvendo Annita em um apertado abraço e levantado-a alguns centímetros do chão.

- Cuidado com o que diz, Julian. Isso pode e vai ser usado contra você. Ou por acaso já se esqueceu de uma certa garota que ficou lá em Hogwarts? – ameaçou Mathieu, os braços cruzados e sobrancelhas arqueadas.

Julianus restringiu-se a mostrar o dedo do meio para Mat, antes de voltar-se para uma vez para a governanta:

- E então tia Ann, o que vai para o jantar? A senhora fez aquele lombo de porco assado, não fez? – o rapaz perguntou parecendo, por um instante, ter voltado a ser uma criança.

Annita riu divertida jamais poderia dizer o quanto apreciava a presença dos garotos, a casa sempre parecia mais alegre quando eles resolviam visita-los.

- É claro, meu querido. Não se preocupe que uma coisa que vocês não passarão é fome. – ela então soltou-se do abraço de Julian para poder cumprimentar Trowa e a jovem desconhecida. Observou a garota discretamente, era dona de uma beleza tão pura e angelical quanto a de Suzannah. Na realidade as duas jovens em muito se assemelhavam. – Será que ninguém vai me apresentar a esta senhorita? – comentou a tutora, parada em frente a jovem.

Suzannah aproximou-se das duas e com um sorriso suave dirigiu-se a outra garota:

- Bem vinda a Donan. – após uma breve pausa Suzannah continuou. – Tia Ann está é Adhara Ivory, a amiga de Hogwarts de quem já lhe falei. Adhara, Annita Wollsky é minha tutora e a pessoa que me criou desde que vim para Donan.

- É um prazer conhece-la, senhorita Ivory. Como Suzze disse, seja muito bem vinda a Donan, se precisar de qualquer coisa é só me pedir.

- Digo o mesmo, Mrs. Wollsky. Obrigada pela sua hospitalidade. – Adhara agradeceu com uma ligeira reverência.

Com um sorriso, Annita conduziu os jovens recém chegados para os seus aposentos, instruindo-os a deixarem as bagagens ali mesmo, pois alguns elfos as apanhariam depois.

Antes de deixar a sala, Adhara parou brevemente na porta da mesma e virou-se buscando um último vislumbre de Suzannah. O que encontrou foi uma expressão serena e um brilho de satisfação muito discreto insinuando-se nos olhos azuis. Ela sorriu de leve para a jovem Deveraux antes de permitir que a mão de Trowa, que segurava uma das suas, a puxasse definitivamente para fora do aposento.

O pensamento de que nos próximos dias teria a oportunidade de reconstruir o que quer que houvesse enfraquecido no elo que mantinha com Suzannah fez com que se sentisse, irremediavelmente, reconfortada.

Monday, February 26, 2007

Parte IV - Book of Secrets

Parte IV - Book of Secrets


“Conte-me seus segredos
Faça-me suas perguntas
Oh, vamos voltar para o começo”


Na noite sombria e gélida a pequena presença deslizava suavemente pelos imensos corredores de pedra do castelo de Donan.

Trajava um vestido azul escuro que realçava-lhe ainda mais os belos olhos tão intensos quanto o céu da meia noite. Os cabelos negros encontravam-se parcialmente presos e levemente ondulados, com pequenas mechas deslizando pelo rosto pálido e angelical fazendo-a parecer uma verdadeira boneca de porcelana.

Annita sempre fazia questão que todos se vestissem de maneira apropriada para as festividades. Talvez pelo fato da senhora sempre se esforçar ao máximo apenas para tornar qualquer festa ou reunião agradável a todos que estivessem presente.

Neste ano Suzannah não havia participado dos preparativos para o natal, pois quando não encontrava-se enviando cartas e presentes, ou conversando com Mathieu, estava envolvida por suas pesquisas em relação ao diário de Megara McKinnon.

Após tantas buscas pelos livros da biblioteca de Hogwarts a jovem começou a desconfiar da origem do idioma usado por sua mãe e suas suspeitas foram confirmadas quando encontrara o mesmo idioma em livros que pertenciam exclusivamente ao clã McKinnon.

Era uma linguagem muito antiga, criada pelos primeiros membros do clã e esquecida após tantas vidas perdidas.

Com as fontes corretas Suzannah não encontrara dificuldade para descobrir que todo o conjunto de frases desconexas do diário formavam na realidade um feitiço tão ou mais antigo quanto a linguagem utilizada. O feitiço é capaz de tornar objetos comuns em abrigos para qualquer lembrança, embora muito mais seguro que uma penceira é também um método mais restrito.

Não era fácil acessar as memórias guardadas pelas páginas amareladas, cada lembrança consumia energia de quem a via e bloqueava o acesso aos demais fragmentos iguais a si por um tempo indeterminado.

Os pensamentos de Suzannah foram interrompidos pela voz de Annita que exclamava encantada sobre sua aparência. Mas ela não prendeu sua atenção na tutora, deslizava os olhos pelo ambiente enfeitado até que as orbes azuis se fixassem em uma feição que lhe era tão familiar.

Mathieu trajava uma camisa social branca impecável quanto a limpeza e a falta de dobras, embora não se encontrasse presa pela calça negra e nem abotoada nas mangas e no colarinho.

Suzannah espantou-se ao pegar-se observando o rapaz tão atentamente e como se não bastasse havia avaliado que ele realmente parecia mais elegante com seu estilo próprio do que os demais cavalheiros.

Por algum motivo ainda desconhecido ambos tiveram diversas conversas que variavam entre banalidades e assuntos sérios durante aquelas férias e não havia como manter a visão desagradável que possuía em relação ao rapaz anteriormente.

Não desejando concluir a própria linha de pensamento Suzannah afastou-os para um canto isolado de sua mente e procurou concentrar-se em analisar a decoração.

O restante da noite foi agradável, Annita parecia realmente animada mesmo que tivesse como companhia apenas Mathieu e Suzannah. Logo após saborearem a uma farta e deliciosa ceia todos passaram um tempo incontável na sala de música e por fim cada um se recolheu para o aconchego de seus próprios aposentos.


clique na imagem para ve-la ampliada.


N/A: a citação é um trecho da música The Scientist da banda Coldplay. Imagem ilustrativa feita por Suzannah, com Natalie Portman representando Suzannah Deveraux.

Parte III - O Morto - Vivo

Parte III - O Morto - Vivo


“Seu passado não era esculpido em pedra, mas desenhado na água.”


- Tudo bem garota? – a voz era firme e máscula.

O homem tinha uma estatura baixa, as feições envelhecidas e cabelos cinzentos que caracterizavam uma figura dona de uma idade já avançada. Pelas vestes dele, Suzannah identificou-o como o que os trouxas chamavam de policial e em uma resposta muda, ela apenas assentiu levemente com a cabeça.

- Quantos anos você tem? – o homem perguntou, avaliando-a de cima a baixo. – Hum...certamente não possuí mais que 12, talvez 13 anos no máximo. – após um suspiro levemente irritado ele continuou. – Escute! Não é seguro uma jovenzinha bonita como você andar sozinha durante a noite. Diga-me onde mora e eu lhe acompanho até sua casa.

Suzannah limitou-se a observar o homem com sua habitual face inexpressiva, enquanto ouvia os resmungos mal humorados do trouxa; “Esses adolescentes de hoje em dia!”.

- Tenho 16 anos e não creio que possa me acompanhar até em casa. – ela respondeu fria, porém educada.

- Hunf! Olha aqui minha jovem eu posso ser velho, mas se existe algo em mim que o tempo ainda não conseguiu atingir é a visão. Meus ossos já não são mais tão resistentes quanto os seus e pedem desesperadamente por uma cama quentinha, então faça um favor a nós dois e diga ao menos um lugar onde eu possa deixá-la.

- Suzze!! – gritou uma voz feminina.

Logo a figura preocupada de Annita seguida pelo semblante sério de um rapaz corpulento fizeram companhia a Suzannah e ao velho trouxa.

- A senhora conhece essa jovem? – perguntou o policial.

- Claro! Ela é minha tutelada senhor.

Enquanto Annita e o outro homem conversavam brevemente Suzannah mantinha os olhos fixos no do rapaz, mas sua expressão era fria como um imenso bloco de gelo.

Algum tempo se passou até que estivessem de volta a Donan e Annita deixasse os dois jovens para ir cuidar de seus afazeres.

- Pensei que chegasse amanhã Mathieu. – disse Suzannah, largando-se no sofá.

- Acabei vindo antes. – o rapaz rebateu com um tom levemente irritado.

- Percebe-se.

Mathieu ficou um tempo em silêncio, como se estivesse controlando o próprio temperamento para não rebater a provocação da jovem enquanto sentava-se em uma poltrona de fronte para ela.

Um tempo considerável transcorreu e os ruídos que se ouvia eram de origem exterior ao castelo ou o crepitar das chamas na lareira. O clima que pairava entre os dois era tenso.

Mathieu sabia que já havia deixado passar um tempo longo em demasia para se redimir pelas ofensas que dissera a Suzannah na última briga de ambos embora tal conhecimento não tornasse sua tarefa mais fácil. Aquele parecia o momento ideal para dizer algo para a jovem.

- Como estão indo as aulas com o Kovac? – perguntou com um tom normal que escondia a própria irritação pelo desgosto de ter que admitir o erro que havia cometido ao condenar Suzannah tendo como base motivos tolos e totalmente abstratos.

De algum modo as palavras do rapaz não causaram surpresa alguma na morena. Ela sabia o quanto significava para ele ter que arrumar um modo de se redimir e principalmente o quão grande era o fardo de aceitar que havia se equivocado terrivelmente, por isso qualquer ressentimento que pudesse nutrir por Mathieu se dissipara assim que tais palavras foram pronunciadas pelos lábios do jovem.

- Normal. – ela respondeu.

- Hum. Se quiser posso falar com o professor para que ele cancele essas tais aulas. – disse Mathieu atribuindo um tom de leve descaso na própria fala.

- Posso cuidar disso. – após alguns segundos em silêncio ela voltou a falar. – Mas agradeço por ter se oferecido.

Ambos permaneceram em silêncio por mais algum tempo incontável e por algum motivo Suzannah lembrou-se que Mathieu tinha diálogos muito mais consistentes com seu bisavô do que ela jamais tivera. Por isso começou a se perguntar o quanto ele sabia sobre Roderick e seus mistérios.

- Mathieu o que você sabe sobre os McKinnon?

O jovem Moreau franziu o cenho ao ouvir a pergunta da garota. Provavelmente aquela era a primeira conversa verdadeira e pacífica que tinha com Suzannah em toda sua vida e o mais estranho era ela perguntar sobre a própria família. Annita viva dizendo que uma das diversões favoritas da garota de olhos azuis era passar os dias lendo sobre os familiares e as tradições do clã, isso o levou a ter em mente que ninguém deveria saber mais sobre os McKinnon do que ela.

- Só o que minha mãe costuma tagarelar, nada além de características superficiais. Porque a pergunta?

-Descobri que alguém que eu julgava morto está na realidade vivo. – ela respondeu com o olhar fixo em algum ponto sombrio do elegante aposento.

Mathieu franziu o cenho, mas antes que pudesse formular qualquer pergunta a voz suave e fraca voltou a preencher o local.

- Já ouviu falar de Godfrey McKinnon?

- Não que eu me lembre. – respondeu ele, com certo descaso.

- Ele é tio da minha mãe.

Não houve qualquer resposta ou comentário da parte do rapaz, pelo simples fato de que não havia nada a ser dito. Nem ao menos conseguia imaginar o motivo que levara Suzannah a contar-lhe aquilo.


- E esse cara é o morto-vivo?

Suzannah não conseguiu evitar que um leve riso surgisse no canto de seus lábios por algum motivo o termo lhe soara engraçado. Sem produzir som algum, ela apenas balançou a cabeça afirmativamente. E novamente o local havia sido preenchido pelo silêncio, embora este não tenha durado muito tempo pois Annita aparecera anunciando o jantar.

N/A: citação retirada da página 25 da trilogia A Viagem, livro um "Ilse, a Bruxa" - autoria de Terry Brooks.

Parte II - Falsas Crenças

Parte II - Falsas Crenças


“O constante banho dos raios de sol irá apagar as pegadas restantes no fino gelo.
Não tema quando você for iludido, porque o mundo já está cheio de decepções.”


Os pequenos e gélidos flocos brancos deslizavam do céu em uma suave dança até alguma superfície em que pudessem repousar.

Em uma das inúmeras lojas trouxas localizadas no centro de Londres encontrava-se a pequena jovem de rosto angelical que mantinha os intensos olhos azuis como o céu da meia noite vagando pelos diversos objetos das amplas prateleiras pertencentes ao estabelecimento.

Aquele era o dia do ano em que ela deixava o conforto do Castelo de Donan para juntar-se as multidões na busca pelos singelos presentes de natal. Visitando tanto lojas bruxas quanto trouxas ela tentava encontrar o objeto que pudessem agradar as poucas pessoas a quem ela enviaria a lembrança natalina. Foram várias horas até que Annita desse o dia por encerrado e os bolsos de Suzannah já se encontravam repletos de embrulhos magicamente minimizados ao contrário da tutora que havia preferido carregar cada uma das sacolas que comprara.

- E então querida vamos voltar para o castelo? – perguntou a mulher mais velha sem esconder a animação que o dia havia lhe proporcionado.

- Pode ir. Quero ficar mais algum tempo. – foi a resposta simples da sonserina.

- Tem certeza? Não sei se é bom você ficar sozinha, o mundo está tão virado nos últimos tempos. – disse Annita, a preocupação tomando o lugar da animação anteriormente dominante na mulher de cabelos castanhos e olhos cor-de-mel.

- Ficarei bem.

Annita não conseguiu evitar que um suspiro pesado escapasse de seus lábios ao ver a pequena figura de Suzannah se distanciando até finalmente virar uma esquina e desaparecer de seu campo de visão.

Seguindo seu próprio rumo, a tutora não era capaz de amenizar o aperto em seu coração. Deixar a jovem de olhos azuis sozinha nas atuais circunstâncias não lhe agradava em nada, porém era um verdadeiro milagre que a menina desejasse passar algum tempo em um lugar aberto e arejado ao invés de permanecer trancada horas a fio em um dos imensos e gélidos aposentos do castelo de Donan e era exatamente por este motivo que Annita não se sentia no direito de impedi-la.

Mesmo inconformada a senhora voltou para Donan, afinal haviam muitas tarefas aguardando seu retorno.

Caminhando em um ritmo suave e lento, Suzannah deixava-se guiar por seus próprios pés parando apenas algum tempo depois de fronte para uma imensa vidraça que pertencia a um café. Sem ponderar muito ela adentrou o local escolhendo uma mesa no canto mais isolado do ambiente.

Logo a jovem garçonete apareceu para anotar seu pedido e Suzannah optou por uma xícara de café expresso. Quando deu por si já estava sorvendo pequenos goles do líquido quente. Podia sentir o calor espalhando-se por seu corpo, fornecendo-lhe uma leve sensação de aconchego e não conseguiu evitar o pensamento de que realmente deveria fazer passeios como aquele com maior freqüência.

Assim que o líquido negro chegou ao fim Suzannah pagou a conta e deixou o local, voltando a caminhar pelas ruelas do desconhecido bairro trouxa.

Mesmo que soubesse voltar ao ponto onde deixara Annita, a jovem não fazia idéia do local onde se encontrava e aquele pensamento lhe pareceu deveras agradável. Era um ambiente solitário e silencioso para alguém estranho como ela, ocupadas as pessoas não notavam umas as outras e provavelmente se quer prestavam atenção no ambiente a sua volta.

De onde estava podia ver no final da rua um pequeno parque coberto pela neve e graças a baixa temperatura abandonado pelas almas vivas das redondezas. Por algum motivo desconhecido Suzannah caminhou até o local, retirando com a mão enluvada a neve sobre o assento de madeira para que pudesse acomodar-se nele e perder seu olhar na paisagem a sua volta.

As palavras dele ainda ecoavam em sua mente. Havia ficado acordada até tarde, pesquisando sobre o diário de sua mãe quando ouviu Roderick chegar em casa e sem pensar duas vezes foi questionar o bisavô sobre Godfrey McKinnon.

“Jamais lhe foi imposta crença alguma, sempre há uma escolha e a tua foi aconchegar-se na comodidade do que teus olhos lhe mostravam.”

O maior impacto que tais palavras podiam causar era justamente pelo fato de não serem nada além da verdade, Godfrey sempre vivera em sua mente e ela sempre se recusara a acreditar que ele não passava de uma ilusão.

Ela não sabia quanto tempo havia se passado, mas o céu já encontrava-se repleto de brilhantes estrelas quando seus pensamentos foram interrompidos por alguém que se aproximou lentamente até tocar um de seus ombros pequenos e magros.

Continua na Parte III.



N/A: citação retirada do mangá Bleach, Volume 16. A base e as peças da doll pertencem ao site Madame Malkins

Parte I - The Return

Parte I - The Return


“O futuro sem fim continua caminhando para seus olhos.”


Em meio as imensas chamas esverdeadas surgia um belo rosto de boneca, a face pálida que ostentava os intensos olhos azuis como o céu da meia-noite encontrava-se parcialmente coberto pelas madeixas negras e finas.

A jovem de estatura pequena e magra, atravessava a imponente e elegante lareira do castelo de Donan. Ela perdeu seu olhar naquele belo mundo que a envolvia, demorando-se em cada detalhe, era incrível o modo como sentia falta daquele lugar.

Abriu a mão direita permitindo que a pequena maleta deslizasse por seus dedos até tocar o imenso e macio tapete, cujos desenhos elegantemente trabalhados nos mais diversos tons de marrom enfeitavam o objeto que cobria quase todo o chão de pedras.

Mas não tardou até que Suzannah fosse arrancada de seus devaneios por braços magros e calorosos que a envolviam.

- Seja bem vinda ao lar, querida. – disse a voz suave e maternal de sua tutora.

O perfume adocicado de Annita penetrava-lhe as narinas. As madeixas sedosas acariciavam-lhe a pele, e o abraço quente impedia que o frio das gélidas paredes de pedra roubassem-lhe o calor da pele pálida.

Ao soltar Suzzanah do abraço, Annita passou um longo tempo analisando a jovem.

- Oh meu Merlin! Olhe só para você está muito magra e mais pálida do que o habitual, devem faltar no mínimo umas 3 ou 4 vitaminas em seu organismo. Querida, você andou esquecendo de tomar sua poção antes de dormir? Está com um pouco de olheiras. Mais tarde quero examiná-la com cuidado. – disse a mulher de olhos cor-de-mel com um sorriso doce nos lábios avermelhados.

Suzannah não tinha sua atenção presa nas palavras da tutora, também não se incomodava com o excessivo cuidado que a mulher tinha em relação a si. Enquanto a mente mantinha-se ocupada, a jovem de olhos azuis acomodou-se no sofá seguida por Annita.

- Preparei biscoitos e aquele café com chocolate derretido que você adora. – anunciou a mulher com um sorriso. – Asgard!

Assim que o nome ecoou nas paredes de pedras o pequeno ser surgiu em frente das duas, fazendo uma reverencia discreta e séria. O elfo doméstico virou-se para Suzannah cumprimentando-a e em seguida voltou sua atenção para Annita que ordenou que ele servisse os biscoitos e o café.

Não demorou até que Asgard cumprisse seu dever e se retirasse tão silencioso quanto uma sombra. Muito velho e com modos excelentemente treinados ele era o único elfo doméstico que tinha permissão para falar e servir aos mestres de Donan, os demais podiam se dirigir apenas a Annita que era a responsável pela organização do castelo e pelo bem estar de seus habitantes.

- Onde o meu avô está? – perguntou a sonserina aceitando a pequena xícara de café que lhe era oferecida.

- Lamento meu bem, mas ele viajou faz alguns dias e não informou quando voltaria. Creio que ele não vá passar o natal conosco. - Annita deixou que sua fala morresse por alguns instantes, porém voltou a tagarelar com alegria. - E por falar em natal o jovem Mathieu escreveu dizendo que iria para casa por alguns dias para resolver alguns assuntos, mas chegaria no dia 23 para as festividades de final de ano. Ora! Que besteira a minha ficar lhe dizendo essas coisas, certamente ele já deve ter lhe contado.

Suzannah sentiu um leve desconforto ao ouvir sobre Mathieu, vários dias se passaram sem que os dois trocassem se quer um “olá”. Perdida no tempo, ela se perguntou quantas horas, minutos e segundos haviam transcorrido exatamente desde a última vez que o vira em algum corredor. Mas logo deixou tal pensamento de lado devido a falta de importância que ele possuía.

Até mesmo pelo fato de que seus dias foram muito atarefados nos últimos tempos, estudos, treinos, aulas e atividades extra-curriculares por assim dizer. Ínfimo era o tempo que dedicava a alguém e novamente sua maior companhia havia ser tornado a tão conhecida solidão.

Ao longe podia ouvir sua tutora tagarelando sobre algum assunto qualquer, sem prestar a devida atenção Suzannah deixava sua mente vagar e respondia a mulher mais velha apenas quando ela lhe fazia alguma pergunta. Mas não demorou até que a senhora decidisse preparar o jantar, e se retirasse do luxuoso ambiente.

Como uma sombra a jovem de olhos azuis deslizava com passos suaves pela superfície pedregosa do chão de um dos milhares de corredores do castelo, foi um longo caminho até que finalmente chegasse na pequena escadaria que terminava em seus aposentos.

Suzannah observou com atenção cada mínimo detalhe do lugar. Em pontos estratégicos encontravam-se posicionadas elegantes luminárias, e as longas cortinas de tecido suave e negro como breu deslizavam pelas grossas vidraças impedindo a visão do belo horizonte. No lado direito do quarto havia uma imensa cama de madeira escura cujos detalhes refinados quebravam qualquer traço rústico que o objeto pudesse ter. O tecido fino do dossel havia sido substituído por um de veludo devido ao clima gélido daquela época do ano.

Na parede lateral bem perto da cama havia uma poltrona de forro escuro, um pouco mais adiante bem em frente a uma ampla janela localizava-se uma pequena mesa e duas cadeiras no mesmo estilo do leito e das imensas prateleiras, fixadas na outra extremidade do aposento.

Milhares eram os rostos angelicais de porcelana das encantadoras bonecas que enfeitavam as largas estantes, haviam também muitos enfeites de vidro e prata, além de objetos trouxas e alguns itens mágicos. Grande parte de tudo fora presente de Annita.

Ao passear com o olhar mais uma vez a atenção das orbes azuis foram capturadas pela dança suave das chamas da lareira. Toda aquela observação parecia um ritual que repetia-se incansavelmente a cada retorno que ela fazia a Donan, era como se sua memória não tivesse forças para abrigar os detalhes de suas lembranças e por este motivo ela era obrigada a mantê-las sempre vivas.

Após um pequeno suspiro a jovem Deveraux caminhou até os outros ambientes de seu quarto, a ampla sala de estudos onde encontravam-se todos os seus livros, o espaçoso armário de roupas, sapatos e demais acessórios e por fim o banheiro.

E antes que tivesse que descer novamente para o jantar Suzannah deixou suas tensões esvaírem-se dos pequenos músculos ao mergulhar o corpo em uma banheira de água muito quente. Enquanto sua mente vagava nas possibilidades guardadas pelo tempo que estava por vir, por aquilo que chamavam de futuro.


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N/A: a citação é um trecho da música Niji da banda L'Arc~en~Ciel. Imagem ilustrativa do Castelo de Eilean Donan editada por Suzannah.