Monday, February 26, 2007

Parte III - O Morto - Vivo

Parte III - O Morto - Vivo


“Seu passado não era esculpido em pedra, mas desenhado na água.”


- Tudo bem garota? – a voz era firme e máscula.

O homem tinha uma estatura baixa, as feições envelhecidas e cabelos cinzentos que caracterizavam uma figura dona de uma idade já avançada. Pelas vestes dele, Suzannah identificou-o como o que os trouxas chamavam de policial e em uma resposta muda, ela apenas assentiu levemente com a cabeça.

- Quantos anos você tem? – o homem perguntou, avaliando-a de cima a baixo. – Hum...certamente não possuí mais que 12, talvez 13 anos no máximo. – após um suspiro levemente irritado ele continuou. – Escute! Não é seguro uma jovenzinha bonita como você andar sozinha durante a noite. Diga-me onde mora e eu lhe acompanho até sua casa.

Suzannah limitou-se a observar o homem com sua habitual face inexpressiva, enquanto ouvia os resmungos mal humorados do trouxa; “Esses adolescentes de hoje em dia!”.

- Tenho 16 anos e não creio que possa me acompanhar até em casa. – ela respondeu fria, porém educada.

- Hunf! Olha aqui minha jovem eu posso ser velho, mas se existe algo em mim que o tempo ainda não conseguiu atingir é a visão. Meus ossos já não são mais tão resistentes quanto os seus e pedem desesperadamente por uma cama quentinha, então faça um favor a nós dois e diga ao menos um lugar onde eu possa deixá-la.

- Suzze!! – gritou uma voz feminina.

Logo a figura preocupada de Annita seguida pelo semblante sério de um rapaz corpulento fizeram companhia a Suzannah e ao velho trouxa.

- A senhora conhece essa jovem? – perguntou o policial.

- Claro! Ela é minha tutelada senhor.

Enquanto Annita e o outro homem conversavam brevemente Suzannah mantinha os olhos fixos no do rapaz, mas sua expressão era fria como um imenso bloco de gelo.

Algum tempo se passou até que estivessem de volta a Donan e Annita deixasse os dois jovens para ir cuidar de seus afazeres.

- Pensei que chegasse amanhã Mathieu. – disse Suzannah, largando-se no sofá.

- Acabei vindo antes. – o rapaz rebateu com um tom levemente irritado.

- Percebe-se.

Mathieu ficou um tempo em silêncio, como se estivesse controlando o próprio temperamento para não rebater a provocação da jovem enquanto sentava-se em uma poltrona de fronte para ela.

Um tempo considerável transcorreu e os ruídos que se ouvia eram de origem exterior ao castelo ou o crepitar das chamas na lareira. O clima que pairava entre os dois era tenso.

Mathieu sabia que já havia deixado passar um tempo longo em demasia para se redimir pelas ofensas que dissera a Suzannah na última briga de ambos embora tal conhecimento não tornasse sua tarefa mais fácil. Aquele parecia o momento ideal para dizer algo para a jovem.

- Como estão indo as aulas com o Kovac? – perguntou com um tom normal que escondia a própria irritação pelo desgosto de ter que admitir o erro que havia cometido ao condenar Suzannah tendo como base motivos tolos e totalmente abstratos.

De algum modo as palavras do rapaz não causaram surpresa alguma na morena. Ela sabia o quanto significava para ele ter que arrumar um modo de se redimir e principalmente o quão grande era o fardo de aceitar que havia se equivocado terrivelmente, por isso qualquer ressentimento que pudesse nutrir por Mathieu se dissipara assim que tais palavras foram pronunciadas pelos lábios do jovem.

- Normal. – ela respondeu.

- Hum. Se quiser posso falar com o professor para que ele cancele essas tais aulas. – disse Mathieu atribuindo um tom de leve descaso na própria fala.

- Posso cuidar disso. – após alguns segundos em silêncio ela voltou a falar. – Mas agradeço por ter se oferecido.

Ambos permaneceram em silêncio por mais algum tempo incontável e por algum motivo Suzannah lembrou-se que Mathieu tinha diálogos muito mais consistentes com seu bisavô do que ela jamais tivera. Por isso começou a se perguntar o quanto ele sabia sobre Roderick e seus mistérios.

- Mathieu o que você sabe sobre os McKinnon?

O jovem Moreau franziu o cenho ao ouvir a pergunta da garota. Provavelmente aquela era a primeira conversa verdadeira e pacífica que tinha com Suzannah em toda sua vida e o mais estranho era ela perguntar sobre a própria família. Annita viva dizendo que uma das diversões favoritas da garota de olhos azuis era passar os dias lendo sobre os familiares e as tradições do clã, isso o levou a ter em mente que ninguém deveria saber mais sobre os McKinnon do que ela.

- Só o que minha mãe costuma tagarelar, nada além de características superficiais. Porque a pergunta?

-Descobri que alguém que eu julgava morto está na realidade vivo. – ela respondeu com o olhar fixo em algum ponto sombrio do elegante aposento.

Mathieu franziu o cenho, mas antes que pudesse formular qualquer pergunta a voz suave e fraca voltou a preencher o local.

- Já ouviu falar de Godfrey McKinnon?

- Não que eu me lembre. – respondeu ele, com certo descaso.

- Ele é tio da minha mãe.

Não houve qualquer resposta ou comentário da parte do rapaz, pelo simples fato de que não havia nada a ser dito. Nem ao menos conseguia imaginar o motivo que levara Suzannah a contar-lhe aquilo.


- E esse cara é o morto-vivo?

Suzannah não conseguiu evitar que um leve riso surgisse no canto de seus lábios por algum motivo o termo lhe soara engraçado. Sem produzir som algum, ela apenas balançou a cabeça afirmativamente. E novamente o local havia sido preenchido pelo silêncio, embora este não tenha durado muito tempo pois Annita aparecera anunciando o jantar.

N/A: citação retirada da página 25 da trilogia A Viagem, livro um "Ilse, a Bruxa" - autoria de Terry Brooks.

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